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sábado, 7 de setembro de 2013

O Tiro e a Culatra



E daí o PM subiu a favela, cansado chegou no barraco e falou pra mulher: o dia hoje foi de matar vivi 10 em 1, to acabado, preciso de um banho e dormir.
A mulher nem se mexeu. Tava noutro mundo.
Pôrrra mulher, não disse que tou travado preciso descansar, tem um ranginho pra encher o bucho?
E ela nada.
Já perdendo a paciência e quase levantando a mão prum tabefe quando ela lhe olhou e disse: nosso filho foi baleado, ta no hospital...
O policial gelou.
-Como, disse ele, que merda deu? Quem foi o filho da puta que baleou meu filho foi o Pó Branco, mato esse desgraçado!
- Pára, falou a Emengarda sua mulher, foi baleado por um policial.

-Quer droga os caras do BOPE subiram por aqui, não era a bola da vez, confirmaram pra mim.
-Nada, falou a mulher, foi lá no asfalto.
-Asfalto? Que merda foi fazer aquele moleque no asfalto?
-Os amigos disseram que era para se manifestar, e ele foi.
-Que que sabe esse moleque do que é se manifestar?
-Sei lá, disse a mulher, sei que foi, tinha um bando descendo a comunidade.
-Merda, pra que agente cria um filho se ele não obedece agente? Eu tenho que obedecer aquele porra do sargento que só quer ficar no celular com as putas, ou nem sei mais com quem, melhor nem perguntar.
-O fato, disse a mulher, é que ele está no hospital e eu ainda nem pude ir lá.
-O que agente faz?
-Um de nós tem que ir não aguento mais de aflição.
-Vai você então eu estou mais que cansado.
-Não, disse ela, vai você, é policial e pode conseguir alguma prioridade em relação ao povão que fica lá na fila.
-Tá bom, fui.
No Hospital
-Dona enfermeira, meu filho foi baleado e vim ver como está.
-Tá soldado, sei que é da PM, pode entrar, mas vou logo avisando, foi um colega seu que baleou o guri, mas fique tranquilo era bala de borracha, o estrago não pode ter sido grande.
-Brigado, mas onde mesmo tenho que ir?
-Siga o corredor, não olhe muito pro lado, e é melhor tirar o quepe, o pessoal que está por ali não vai gostar muito da tua cara.
-Brigado de novo.
Depois de um oba-oba no corredor, e de uma  incerteza de onde procurar, encontrou um cara que informou que o filho estava no quarto tal.
Chegando ao quarto, tinha um monte de guris e gurias por ali. 
E ele foi olhando aqueles ferimentos idiotas e por fim encontrou José – seu filho.
-Oi Zé, que merda  você foi fazer na manifestação?
-Não adianta falar com ele, disse a enfermeira, está temporariamente surdo. E com esses tapa-olhos nem sabe que o Sr. está aqui.
-Surdo, porque? Disse o milico.
-Bomba de efeito moral, mas 90% dos casos se recuperam em 30, 60 ou até 180 dias acabam voltando a ouvir.
-E os tapa-olho porque? Falou já entendendo a gravidade do problema.
-É para deixá-lo calmo, só um dos olhos foi atingido por uma bala de borracha, deve ter perdido a visão se não for mais grave (-o cérebro, balbuciou a enfermeira como se o coitado pudesse ouvir algo).
-Qual olho? perguntou o policial.
-O direito, disse a enfermeira.
-Então do esquerdo ele pode me ver? Perguntou.
-Sim, mas provoca dor no menino.
-Mesmo assim, me ajude enfermeira, preciso que me veja, é meu filho pô!
-Pai! Falou o Zé, e apertou a mão do velho como que se consolando com uma presença conhecida, ou algo assim.
-Filho... a enfermeira voltou a dizer: ele não escuta.
Com uma prancheta o pai perguntou pro filho o que tinha ido fazer lá.
O jovem balbuciou: o que todos meus amigos estavam fazendo reclamando das condições de vida que temos.
-Mas numa manifestação? Garranchou o pai na prancheta.
-É pai, e a minha hora, ou faço agora ou nunca, você teve a sua.
-Que foi o maldito que lhe deu o tiro, garranchou mais uma vez.
-Pai, foi você, na hora do estampido olhei pra direção do barulho e quase vi a bala vindo na minha direção, atrás dela tava você com a tal espingarda que diz que num faz mal. Num faz mal pra quem pai?