Desde muito cedo descobri que vivia em uma cidade que aceitava gente de todo o mundo como iguais.
Uma família imigrante havia se mudado para próximo de
nossa casa num Brooklin ainda cheio de mato e cavas (espécie de lagoa
restante da exploração de areia).
Imediatamente fizemos amizade com o Sr. Carlos (seu nome não era esse pois
ele era alemão de nascimento), sua esposa Dona Margarida (seu nome não
era esse pois ela Grega), a Iaiá (a Mãe de Dna.Margarida) e a Helena
(nome verdadeiro pois era brasileira).
Como
não tinham mais familiares por aqui acabamos por ter boa amizade afinal
nossa família tinha italiano e espanhol do lado de meu pai e português e
baiano por parte de minha mãe.
No fim do ano, muitos dias eram gastos em produzir quitutes conforme as tradições das duas famílias.
Reunidas
as mulheres punham-se na cozinha a fazer doces (a culinária grega tem
absoluta semelhança com a árabe afinal se misturam em Istambul),
charutinhos recheados, panetones (tinha sem frutas para me alegrar pois
não gostava das frutas cítricas) e muitas outras coisas.
Lembro disso não porque ajudasse muito na cozinha, com minha pouca idade mais atrapalharia se tentasse.
Mas alguns dois ou três doces dependiam totalmente da minha participação.
Com
pouco mais de 9 anos eu era o encarregado de ir pegar a encomenda
daquele tipo de macarrãozinho que é comum em alguns doces que hoje vemos
nas casas de comida árabe.
Ia de ônibus até o centro. Tinha aprendido o caminho no ano anterior com
a Margarida. Precisava andar uma meia hora dos Baixos do Viaduto do Chá para chegar ao fornecedor que ficava num tipo de sobreloja na Rua 25 de Março. Tinha uma longa escada com dois patamares até chegar lá em cima.
Lá encontrava o homem que fazia a tal massa, trabalhando.
Numas mesas enormes (maiores ainda para uma criança de 9 anos) ele as
fazia com um tipo de chuveiro de balde sobre umas folhas de papel
manteiga.
Embrulhava-os, eu pagava e descia aquela baita escada com um embrulho
enorme nos braços, não caí nunca nem sei por conta de quem, deve ser do
tal Alá do turco que fazia a massa.
Na rua fazer um taxi entender que um garoto daquele tamanho queria fazer
uma corrida era outra dificuldade, mas sempre tinha alguém que me
ajudava. Era uma cidade de gente cordial e educada.
Rapidamente ia de volta para casa com a massa no banco de trás do taxi todo feliz por ter conseguido realizar minha missão.
O rapidamente demorava praticamente uma hora, não por trânsito, mas as
avenidas Tiradentes, Nove de Julho e Santo Amaro eram na verdade umas
ruas comuns com mão dupla e razoavelmente cheias de carros e ônibus.
Lembro
docemente agora desses tempos pois fico até admirado em como, numa São
Paulo já razoavelmente populosa no inicio dos anos 60, uma criança como
eu tinha a liberdade de ir ao centro da cidade para pagar as contas da
família o que me dava experiência suficiente para ir retirar a encomenda
da tal massa.
Nos
inícios dos meses minha mãe separava o dinheiro necessário para cada
conta e juntava-o embrulhava-o nela e fazia uns macinhos para os
pagamentos correspondentes.
Pegava
eu um ônibus no Brooklin, e lá ia eu para o ponto final em embaixo do
viaduto do Chá. Macinhos na mão. Contas & dinheiro. Nunca fui
roubado.
Subia
a escadaria e dava rapidamente no prédio da Light (esquina da Xavier de
Toledo com o Viaduto do chá - hoje há um shopping por lá) e nele pagava
a conta de luz. Pronto, um maço a menos e uma conta paga no bolso.
Atravessava
a Xavier, e entrada no Mappin, bem em frente. Sempre tinha algum carnê
relativo às de compras que nem se lembrava mais relativas a que. Pronto
depois do homem do elevador avisar: "crediário, roupas de cama, mesa e
banho)" saia do elevador e pronto depois de uma filazinha que não
demorava tanto mais um maço pago.
Agora
era ir ao DAE (Departamento de Águas e Esgotos do Estado). Esse ficava
bem mais longe, o que era muito bom pois podia passear pela cidade.
Por
cima do Viaduto do Chá pegava a Rua São Bento que parte da Praça do
Patriarca e ia em direção ao Largo São Francisco. Ali minha mãe tinha me
mostrado a Igreja e pouco acima um prédio enorme para mim onde é a
Faculdade de Direito da USP.
Dali seguia até a Rua Riachuelo para pagar a conta de água. Pronto, mais uma conta pro bolso.
Aí era hora de contar o troco que tinha recebido.
Somado eu tinha que reservar o dinheiro do ônibus para a volta.
Algumas vezes, não todas, sobrava o suficiente para um sanduíche de linguiça que uma lanchonete servia na Rua São Bento.
Se não sobrasse, não ficava chateado. Era assim mesmo, a vida era dura naquele tempo.
E estando por ali sempre valia a pena dar uma passeada pela cidade.
Numa
travessinha da Líbero ficava a loja do Sr. Armando, de relógios e
canetas, além de vender ele os consertava, era meu vizinho que aos
sábados de noite me chamava para sua casa para tomar um pouco de vinho
com pão italiano, parmesão e aliche. Seus filhos não gostavam já eram
adolescentes e iam para algum bailinho.
Tinha
a Michelangelo que vendia produtos de para arte e papelaria, que
vitrine adorável para uma criança. Muitas vezes visitada depois.
Na
Conselheiro Crispiniano havia uma loja de departamentos (acho que era a
Sears) que tinha um tipo de subsolo onde havia uma casa de chá, algumas
vezes fomos lá minha mãe, a irmã e eu.
Nos dávamos tempo para viver, naquele tempo os segundos eram muito maiores que os atuais.
E as lojas de instrumentos musicais na Barão de Itapetininga enchia-nos os olhos, como eram bonitos e perfeitos.
Às
vezes, da Barão eu cruzava a Praça da República, em frente ao Caetano
de Campos (ah que lindas as alunas daquela escola) e ia ao Largo do
Arouche, onde meu pai trabalhava como gerente de uma loja de tecidos
importados. Naquele tempo a roupa era feita por costureiras e alfaiates.
Uma
vez o Gigio (um dos melhores alfaiates da capital e amigo de meu pai)
me fez um terninho, se usei uma vez foi muito, mas que era bonito era.
Tropical inglês, com calça curta claro.
Por
vezes visitava a Tecidos L.Caldas, a loja que meu pai gerenciava, o
Primo Carnéro, famoso lutador com quase dois metros de altura. Céus
quando o conheci pareceu-me um gigante.
Dependendo
da hora voltava para casa com meu pai que pegava um carro de aluguel
que era chamado lotação. Era muito grande, cabiam uns 8 ou mais
passageiros.
Eu era muito feliz naqueles tempos idos.
Feliz como nunca mais consegui ser.
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