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domingo, 14 de setembro de 2014

De Balman a Huxley ou do Líquido ao Volátil

Huxley no Admirável Mundo Novo estava 100 anos à sua frente.
Faz uma análise sociológica que é o que se expressa realmente no livro, em forma de ficção pois tal tese seria inconcebível no meio acadêmico. Mostra-nos um tempo de valores voláteis.
Estava então à frente de Balman que no seu Universo Líquido analisa a sociedade pós-moderna, e que penso acabará por desembocar no Universo Volátil do livro de Huxley.

Parece irreal quando tentamos ver o mundo de dentro dele, mas nestes 50 anos assisti todas as transformações importantes que liquefizeram o mundo atual.
O resultado dessa liquidez é que também os valores humanos começaram a fluir como líquidos que escorrem rapidamente, transformam-se nem sempre para melhor.
Muitos valores construídos nas sociedades modernas poderiam ser considerados bons, não fosse sua fluidez.
Há duas motivações bem diferentes na construções dos tais valores sociais, econômicos, culturais e psíquicos da atualidade.
São elas a ética e a conveniência.
E essa última ganha de longe da outra.
Cada vez mais se age por conveniência e menos por princípios éticos.
Se forem conflitantes, ganha novamente o pragmatismo da conveniência.

Esse é o ser humano, com opiniões líquidas (ou seja nada definidas) conformes com a conveniência do momento muito mais do que pela construção ética solidamente embasada.
O que temos é uma falsa ética que consubstancia as construções convenientes, uma ética líquida talvez dissesse Balman.

Essa falsa ética se expressa nessas atitudes xenófobas ou preconceituosas que assistimos mundo afora, ou mesmo nos embates geopolíticos e fundamentalistas que se apresentam em pleno século XXI e que tanto nos custa acreditar em suas motivações. Mas isso não é o assunto deste texto.

Essa mesma falsa ética está transformando também nossas condutas emocionais e nossos valores de convivência social.
A liberdade sexual, que promovemos, trouxe consigo uma liquidez nas relações que Balman bem analisou, e mais que isso está se tornando volátil como Huxley preconizou.

Talvez seja mesmo o tempo da desconstrução do amor romântico inventado também por conveniências e não por ser algo nato do ser humano.
Forçar uma monogamia em nome de um amor que está se mostrando cada vez mais efêmero tem se mostrado paradoxal.
Basta entrar em sites de encontros sexuais para ver a quantidade de mulheres (ainda tenho foco nesse gênero) que se propõe a encontros declarando-se casadas mas querendo mais.
Provavelmente não é só mais sexo, as carências são muitas outras também.
É a constatação de uma realidade que está se transformando muito rapidamente.
União por amor está saindo de moda.
As pessoas se juntam muito mais pela conveniência do morar junto do que por sua crença no amor romântico e monogâmico.
E essa descrença acaba por gerar separações com muito mais facilidades do que antes.
Não há tolerância, só interesse.
Talvez esse tal amor romântico não passe mesmo da mais refinada hipocrisia inventada pela sociedade.

Não que não sejamos atraídos por outra pessoa, mas eliminemos as imagens dessas possíveis atrações e veremos que num mundo de pessoas sem formas, todas iguais, seria bem mais difícil encontrar uma cara metade.
Somos mesmo atraídos pelas aparências.
O belo, o sensual, é o desejável.
O encontro se dá quando os desejos possíveis se encontram.
Não dá pra pensar no Brad Pitt apaixonado pela faxineira do supermercado dá? Meu pedreiro pela Angelina!
Não, juntar-se na verdade é uma construção do possível e principalmente do conveniente.
Portanto porque fundamentar-se em algo como o amor se esse acabou por demonstrar-se insustentável?
Estamos então surfando nessa sociedade do Amor Líquido do Bauman, e caminhando muito rapidamente para a Relação Volátil do Huxley.
A sociedade de consumo prefere indivíduos isolados pois assim serão consumidores mais vorazes.

"Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida."
Álvaro de Campos ou Fernando Pessoa.

E a triste passagem acima mostra a certeira nostalgia em que passaremos a viver.
Passaremos a comer chocolates pois as relações serão absolutamente voláteis e sem valor.
Nada mais que um bom jantar com dança, ou um show qualquer, um bom vinho, uma transa e nunca mais! Vamos à outra, repetir é perigoso no mundo volátil.
E para suas tristezas tome um pílula a mais de "soma" a droga que só faz bem, desse futuro quase virtual.
Será mesmo esse nosso destino?
Mesmo achando-o triste, acho que não há saída, é esse o ser humano que habita o planeta, pobre de espírito e pra lá de ignorante.
E não me pretendo exceção.

Um comentário:

Johni disse...

muito bom tio, como sempre nos faz pensar sobre o que somos e o que foi feito de nós... um abraço!!!