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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Férias da Solidão

Passei praticamente dois meses fora de Curitiba.
A maior parte desse tempo ajudando a produzir uma obra de um amigo de longa data, dos tempos de faculdade e república.
"Sir." David Pennington como costuma chamá-lo a amiga Cláudia, ou "o Inglês" como o faz a Maria de Lourdes (codinome Miau).
Ajudei como podia, mas o mais interessante é que,de forma indireta, também fui ajudado, ou seja o que pode parecer uma ajuda minha a ele, também se deu dele a mim.
Daí o título da postagem.
Ele disse que eu o tirei da zona de conforto com a obra, acho que seu titubeio inicial acabou vencido pelo meu jeito "fazedor".
Ele fez um projeto bonito e muito interessante, fazendo a casa contornar árvores do cerrado que o terreno guardou por muitas décadas.

Trabalhando com prazer

Nas visitas para o trabalho conheci Brasília, e principalmente boa parte da UNB.
Ví muitas coisas bem feitas e bonitas, outras nem tão bem feitas outras nem tão bonitas, e algumas nem tão tudo.
Eu já tinha restrições contra certas obras do Niemayer.
Minha surpresa foi a Catedral, que vista como maquete é bonita mas construtivamente um "non sense".
Mas estar em seu interior paga qualquer necessidade de manutenção estrutural que ela tem e terá por bom tempo.
Tinha admiração pelo projeto do Plano Piloto do Lúcio Costa, mas ao conviver com seus traçados urbanos passei a achá-lo insuficiente.

Não me transferi da Poli para a FAU-USP a convite do então diretor Nestor Goulart dos Reis Filho, pois da arquitetura me interessava muito o Urbanismo, que no Brasil é profissão mais afeta aos bobos da corte pois a ingerência política é danosa à qualquer forma de planejamento.
Uma das raras exceções foi Jaime Lerner que fez bom trabalho aqui em Curitiba.

Pensando na chance que teve Lúcio Costa ao pegar um terreno descampado e nele implantar uma urbe, fico imaginando a) a responsabilidade e b) a competência e c) a humildade e d) visão de futuro.
Quanto à responsabilidade era imensa, e ele a assumiu como deve, com seus erros e acertos foi proativo e realizador.
Sobre a competência, demonstrou muita, porém há erros crassos devido ao provável personalismo que vigorou naquela época entre os autores da Novacap.
Às grandes vias chamadas de L e W faltam ligações, transversais mais rápidas, o candango é um cara que anda como cobra fazendo zig-zag nas L´s e W´s da vida.
Para uma cidade voltada ao automóvel é um erro grave.
Nas poucas transversais existentes, suas alças de acesso, que por lá são chamadas de tesourinhas, são um crime urbano.
Apertadas como corpete em uma cidade que não precisava dessa economia de espaço.
Isso quando não são além de curvas muito fechadas, com inclinação "para fora" da alça provocando acidentes. Viraram mais uma armadilha da indústria das multas que vigora aqui.
O Metrô, ao que me parece, saiu meio sem querer.
Não houve um projeto integrado, que atendesse toda a área metropolitana que acabou se criando.
Em plenos anos 60 onde todas as grandes capitais do mundo já contavam com grande rede de transporte público metropolitano, o Lúcio faz um arremedo para dizer que não fez?
É um erro dos maiores.
Donde resulta, em meu pensamento, uma grande falta de humildade, em promover um trabalho interdisciplinar e em equipe com participação mais horizontal, não hierárquica.
Essas minhas críticas desembocam em uma conclusão simples: o autor não tinha visão de futuro, o que é fatal para alguém que se pretende urbanista.
Mas que se danem Lúcio e Niemayer.

UNB

Quero brindar alguém mais especial e importante que foi Darcy Ribeiro.
A UNB, inspirada por ele e Anísio Teixeira seriam grande orgulho para os brasileiros.
Digo seriam pois a ingerência da politicagem brasileira, herança de tempos coloniais e outras mazelas que sofremos no Brasil... desde sempre.
A Universidade é linda e eu, que tenho muito orgulho da USP (que me acolheu), vejo-a tão ou mais bela que essa.
Mas como beleza não põe a mesa, sinto pena das suas insuficiências, que ouvi existir por lá.
Fico triste, e acho que Darcy também ficaria, quando uma cidadã de Paranoá (depois falo desta pequena urbe) não se sente nem no direito de ter conhecido a UNB.
Pô, a universidade é do povo, para educá-lo e servi-lo, mas o povo não se sente no direito nem de ir conhecê-la, adotá-la como sua, ansiar nela estudar?
É muito triste saber disso, é segregar irmão, nossos irmãos, morenos como escreveu o próprio Darcy.
Mas dane-se esse acúmulo de erros, somos todos uma acumulação de erros, expertos são os que aprendem com os eles, pois com os erros se encontram os acertos.
O fato é que desfrutei do convívio de espaços e pessoas tão díspares como os habitantes do assim chamado "Plano Piloto" como de uma periferia que por lá chamam (ao que parece) de cidade satélite.

Paranoá

Do lado oposto ao Plano Piloto em relação ao lago de mesmo nome, Paranoá é sem ter nascido, parece mais um aborto.
Localiza-se em um sítio muito bonito, que teria tudo para ser um paraíso, mas é um purgatório.
É um improviso, uma grande favela (em termos urbanos) que se oficializou... só que não.
Porque favela?
Porque foi uma urbe criada de forma espontânea, sem planejamento algum, e que penso eu, não deveria ser chamada de cidade-satélite.
São periferia como são muitas das cidades (oficializadas) de grandes metrópoles.
É um deus nos acuda aquilo.
Meu lado periferia gosta, mas como tenho muitos lados, a maioria deles sente pena.
Mas é um local que retrata exatamente a desorganização brasileira.
Tem bastante gente empreendedora, que focando o dinheiro até o acumulam.
Mas como testemunhou um proprietário de uma loja, que tem na sua frente da avenida Paranoá uma loja (do filho) e ao lado outra da sogra da filha e ao lado desta uma da filha com o marido. Enfim um clã de comerciantes. Me disse ele que o filho na casa dos 30 anos agora se ressente de não ter estudado.
O rapaz constata que só o dinheiro não faz o status de um cidadão do Plano (como se diz por lá).
Há que se ter uma dose de cultura.
Isso só os bancos escolares nos podem oferecer.
É então um exemplo típico do lugar onde as pessoas cultuam o ter e desprezam o ser, e alguma minoria descobre sua insatisfação.
Gente que esquece que quando partirmos dessa para melhor é o ser que fomos que podemos levar como valor.
Em Paranoá há uma invasão urbana monstruosa, o Itapoã.
Perto de cem mil habitantes moram lá.
Um comércio mais rudimentar (não menos movimentado) que o da Av. Paranoá atende essa população.
Região mais violenta e rude. Periferia da periferia.
Lá subsistem pequenos negócios que se sustentam vendendo seus produtos e serviços para os moradores dos vários condomínios da região.

Condomínios

Segundo meu amigo David, em toda Brasília há cerca de 586 condomínios, a grande maioria sem documentação.
Descalabro tipicamente brasileiro, macunaímico.
O fato e deu porque para a construção da capital foram desapropriadas grandes fazendas que, ao final da implantação inicial ficaram desocupadas.
Por também não terem recebido do estado o valor das desapropriações os proprietários acabam entrando na nossa justiça para reintegrar-se da posse destas.
Como década é o minuto da nossa justiça, com um título precário o dono da terra a loteia em condomínios, que são adquiridos sem documentação oficial alguma.
Ou seja, não se consegue regulamentar o urbanismo deles.
Não há zoneamento, é tudo uma zona mesmo.
Dependendo do loteador, o condomínio pode ser melhor ou pior, na maioria das vezes são bem razoáveis pois caso contrário não atenderiam a expectativa da classe que os consome.
A topografia, no geral, é bem generosa e permitiria algo muito mais civilizado que o que por lá ocorre.
É mesmo triste.
Reforça minha negativa em ir para a FAU e tentar ser um urbanista no Brasil, é mesmo um papel de bobo da corte.

Xô Solidão

Aqui em Curitiba passo dias sem falar com alguém, não tenho muitos interlocutores por aqui.
Isso já não aconteceu nesses quase dois meses fora de casa.
Convivi cotidianamente com meu amigo, sua namorada, sua família e amigos e com todos os fornecedores que são razoavelmente atenciosos (por necessidade do negócio claro).
Conheci gente interessante e penso que apesar de todos os senões, que já coloquei, é um local onde se pode desenvolver ainda muita coisa pois andam meio atrasados por lá.
Por lá se constrói bastante, mesmo na crise atual.
O funcionarismo público tem renda e estabilidade que lhes garante recursos para a casa própria.
Devido aos altos custos para se morar no Plano Piloto a opção de construir em condomínios é bem utilizada.
Talvez eu vá mais vezes até lá para conseguir realizar minhas habilidades de construtor onde se ensina e aprende todo dia.
Daí me forço a sair da tal zona de conforto e me sinta mais motivado para novas empreitadas, novas amizades e novos tempos.




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